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Mesa Redonda: A colaboração na arte portuguesa

[Texto de introdução à mesa-redonda  com António Olaio, José Maia, Rita Fabiana e Sandra Vieira Jürgens sobre “A colaboração na arte portuguesa” organizado na Culturgest a 20 Novembro de 2019]

 

Bom dia a todos!

Começo por agradecer à organização deste evento “Campos de colaboração nas práticas artísticas contemporâneas”, a amabilidade do convite que me dirigiram para moderar esta mesa-semi-redonda que se intitula “A colaboração na arte Portuguesa” e felicitar a ousadia de organizarem um encontro em torno de uma noção tão entranhada quanto ainda estranha ao modo como frequenta o nosso pensamento, desde o discurso mais espontâneos às nossas indagações mais complexas: a colaboração.

Qualquer discurso, hoje, sobre colaboração, parece ter de enfrentar uma resistência. Ela não provém certamente da própria natureza da linguagem por um lado: como para tantas outras coisas o termo colaboração não oferece grande dificuldade a qualquer tentativa de entendimento, a resistência parece, neste caso particular, encontrar-se não na sua significação mas na sua profusão. A palavra colaboração emprega-se em todo o lado e de múltiplas formas, na política, nas empresas, no desporto, na ecologia, na arte… talvez não estejamos a falar sempre da mesma coisa! Ainda ontem, enquanto me preparava para esta mesa-redonda, ouvia em pano de fundo na televisão o documentário sobre José Mário Branco, dei por mim a pensar no peso (na gravidade) que as palavras colaboração, colectivo, comum, solidário adquirem na rouquidão da fala deste autor. (Que melhor maneira de lhe prestarmos tributo senão debatendo muitas dos seus desígnios de vida?!) Thomas Hirschhorn por outro lado se estivesse nesta audiência não esperaria muito tempo para se levantar e reivindicar o termo “coexistência” como um “hard term” em oposição ao tom suave e cordial que nos suscita a palavra – colaboração.

Comecemos pelas perguntas sobre o tema hoje aqui em debate, pois qualquer interrogação é em si um desejo de movimento, perguntar é provocar não a resposta que efectivamente tememos ou visamos, mas os primeiros contornos de uma nova e melhor pergunta — que se torna portanto, uma primeira forma de resposta.

 

  1. De que falamos, afinal, quando falamos em colaboração na arte? Os artistas colaboram sempre da mesma forma? O espírito colaborativo resulta de motivações coincidentes? Colaboração é necessariamente colectivização?
  2. Poderemos pensar em colectivo de artistas como um lugar onde coexistem individualidades com modos particulares de partilha e de criação comum?
  3. Será mais intenso e radical os fenómenos de colaboração ou colectivização artística em conjunturas de crise? pessoais, sociais, políticas? Ou existem outros factores que impulsionam experiências partilhadas?
  4. Que contributos trouxeram estas experiências artísticas colaborativas na redefinição do próprio campo da arte? Que tipo de conhecimento produzem?
  5. Qual o lugar da falha, do desmembramento, da falência ou desmobilização que grande parte dos colectivos sofrem? O que produz essa precariedade existencial?
  6. O que é que a era da híper-conectividade digital trouxe de novo para os campos colaborativos?

Constatamos, no caso português, desde do período pré-revolucionário até à actualidade, um contexto profícuo em emergência cíclica de tendências colaborativas que se manifestam de múltiplas e variadas formas, desde o Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (surgido ainda nos anos 50), passando pela Árvore – Cooperativa de Atividades Artísticas (Porto – 1963), o Centro de Arte e Comunicação Visual – Ar.Co (1973), o Grupo Acre (1974), o Grupo Puzzle (1975), o Grupo Cores, o Colectivo AZ, a Alternativa Zero, o Movimento Homeostético, a Artitude: 01 (1979 – 1985), o Grupo Missionário (1983), o Colectivo Ases da Paleta, apenas para destacar alguns nos anos subsequentes ao fim da ditadura. Desde projectos auto-organizados por artistas, muitas vezes sem espaço identificado e de geografia variável que constroem modelos cooperativos auto-gestionados de experimentação e divulgação das suas próprias´﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽ rs de experimentaçitas vezes tificado e de geografia varolm individualidades com modos particulares de produç práticas e dos seus pares; aos colectivos com um programa estético estruturado, aos grupos de artistas que recusam a nomenclatura de colectivo mas cuja existência e funcionamento assenta em lógicas colaborativas. Muitas as modalidades, metodologias, modos de relação, coabitação e colaboração. No entanto parece existir um “lençol freático comum” que irriga toda este lastro de práticas colaborativas do último meio-século em Portugal e enormes os contributos desta insurreição aos modos tradicionais de criação, produção e difusão do fazer artístico, a saber:

 

  1. A liberdade de acção e intervenção de grande impacto político e cultural (sobretudo ao contexto da ditadura portuguesa);
  2. A problematização da autonomia estética e concomitantemente as noções de autoria e autoridade, pela diluição que estas práticas impregnam a produção artística e outras formas adjacentes de produção cultural e ativismo social;
  3. A redefinição do próprio lugar da arte na sociedade, do seu papel e das formas de conhecimento geradas pelas práticas colaborativas que desafiam as lógicas cognitivas, sociais e/ou políticas instituídas. Assim como, o alargamento das possibilidades de experimentação e recepção artísticas;
  4. A posição crítica face ao status quo, aos circuitos institucionais e aos paradigmas estereotipados do ser artista, reinventando modelos alternativos de existência, sobrevivência de novas subjectividades e linguagens artísticas emergentes que escapam à assimilação museológica ou comercial;
  5. A forma como reclamam uma dimensão comunitária da experiência artística ou pelo contributo que estas experiências colaborativas produzem inversamente no percurso individual de cada autor;

Tenho hoje o privilégio de poder conversar com quatro ilustres personalidades do meio artístico português, que apesar de dispensarem grandes relambórios biográficos, tentarei partilhar o essencial:

  • António Olaio, artista plástico, professor auxiliar do Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra. È também o actual director do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra.
  • José Maia (curador) ou Manuel Santos Maia (artista) licenciado em pintura pela Fbaup, tem nos últimos 20 anos assumido um papel fulcral enquanto dinamizador ou agitador da cena artística portuense e não só. Desde 1998, tem organizado exposições com artistas, debates, conferências, palestras com críticos, historiadores, curadores, artistas-comissários, etc.
  • Rita Fabiana, mestre em História de Arte e pós-graduada em curadoria pela FBAUL, é curadora desde 2006 e mais recentemente assume desde 2016 a coordenação da programação do Museu Calouste Gulbenkian.
  • Sandra Vieira Jurgens é investigadora de pós-doutoramento, bolseira FCT no Instituto de História de Arte da Universidade Nova de Lisboa desde 2015. É atualmente professora e coordenadora da Pós-Graduação em Curadoria de Arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Dirige a revista online Wrong Wrong e a plataforma digital raum: residências artísticas online, projetos da Terceiro Direito – Associação Cultural. É autora de um livro esgotadíssimo que faz parte da bibliografia obrigatória desta mesa redonda chamado “Instalações Provisórias: Independência, autonomia, alternativa e informalidade. Artistas e exposições em Portugal no século XX (2016)”.

Vou começar pela Sandra:

  • Se atendermos à história das práticas colaborativas em Portugal e da práticas artísticas resultantes de contextos de produção colectiva, alguns dos quais estudados por ti recentemente, a relação singularidades-colectividade parecem ser a pedra de toque comum, isto é, o equilíbrio entre o desenvolvimento das singularidades individuais e a “pressão” do comum. Será esta dialética a principal responsável pela existência provisória que muitos destes grupos enfermam? Será também essa a sua maior potência?
  • Os fenómenos colectivização artística sempre estiveram associados a momentos de crise, seja ela política, social ou até de ausência de reconhecimento institucional de determinadas práticas artísticas emergentes. Com o aumento de infra-estruturas expositivas intermédias um pouco por todo o país, o crescimento do mercado galerístico, a exponenciação de um espaço de visibilidade online, achas que a formação de colectivos como modelo de existência artística alternativa poderá estar em vias de extinção?

A história mostra-nos que as experiências colaborativas através de colectivos enfermam na sua génese de uma certa natureza provisória. Será essa ideia de existência precária também a sua maior potência?

Rita Fabiana:

– No teu percurso como curadora já organizaste exposições de artistas cuja experiência artística atravessa o campo colaborativo, como por exemplo, José Escada ou Ricardo Jacinto. Que desafios se encontram numa abordagem das colaborações a partir da ligação de um interveniente? E ainda, que contributos permitem a análise das práticas colaborativas de determinados autores como Escada ou Jacinto para a compreensão do seu trabalho mais individual?

Em que medida é que o estudo destes colectivos artísticos que emergiram em plena ditadura em Portugal nos permitem antecipar já não só todo um espectro colaborativo que veio a proliferar nos anos seguintes, mas também o sonho de certa ideia de liberdade e sociedade democrática?

– Tendo em conta a tua experiência curatorial institucional, que desafios colocam hoje os colectivos de artistas à curadoria?

– Que desafios encontras hoje nas novas formas de colaboração? Por exemplo face a plataformas de encontro e comunicação sofisticadíssimas como a internet?

José Maia:

  • a figura de artista-curador que de algum modo toda a tua prática representa não será também ela uma consequência-necessária destes fenómenos de colectivização da arte? Como é que a tua experiência nos fala disso?
  • A história de colectivos de artistas e projectos colaborativos no Porto nas últimas 3 décadas é insondável quase e feita de muitas especificidades que não é aqui o lugar para esmiuçar, muitos dos quais inclusive protagonizados por ti em múltiplos planos, como artista, como programador, como curador, como crítico, como público. Nem sempre os artistas se associaram pelas mesmas razões e sobre os mesmos paradigmas, por exemplo hoje existem colectivos no Porto que optaram por inserirem-se em colectividades existentes para escaparem à especulação imobiliária e a incapacidade de alugarem um espaço. Que grandes diferenças, face ao passado, encontras nesta nova realidade de colectivização? Serão elas assim tão diferentes?
  • Esta nova realidade de gentrificação no Porto colocará em causa o surgimento de novos colectivos ou produzirá novas formas de colectivização?
  • A proliferação deste género de colectivos têm que ver com fenómenos de contaminação? Faz sentido falar de uma espécie de modelo-paradigma que contamina gerações e gerações de jovens artistas que procuram “começar”? Ou é apenas uma permanente reação a uma realidade que apesar de tudo não se alterou assim tanto nos últimos anos?

António Olaio:

-Confesso que vinha no comboio e dei por mim a ouvir o álbum “sit on my soul” e até algumas músicas do Reporter estrábico. Tu próprio enquanto artista participaste activamente em projectos colaborativos desde logo o Repórter Estrábico, as colaboração com o João Taborda, Paulo Mendes entre outras. O que explica este necessidade de descentramento para outras linguagens (performance, música, etc) para outros autores? Será a necessidade de procurar novos estímulos?

– O que é que se ganha no regresso às práticas mais individualizadas?

-Será que poderemos dizer que a história da performance em Portugal como muitas outras linguagens artísticas funde-se com a história das práticas colaborativas e dos colectivos artísticos? Até pela sua própriab natureza?

 

 

 

 

 

 

 

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