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Things-being-what-they-are-not

2010

Things-being-what-they-are-not

Reflexão de Samuel J. M. Silva sobre a nova exposição de Luís Figueiredo.

 

Não há aqui abstracção, a existir, será por distracção.

O trabalho de Luís Figueiredo é, acima de tudo, um movimento distractivo da coisa concreta. Uma espécie de reactivação de processos precedentes do abstraccionismo de Malevitch, kandinsky ou Mondrian, onde falar de abstracção era, fundamentalmente, falar sobre uma tarefa de desconstrução (limpeza, estilização, redução) geométrica da forma natural. Assim o fez Cézanne, nunca se abstraiu do seu Mont-Saint Victoire, por mais que o tentasse, nunca a sua pintura deixou de remeter para um universo perceptivo subjacente, ela seria sempre em última instância um gesto mimético-representativo da coisa real. O mesmo não acontece, na abstracção pós-1913 (“Quadrado preto” de Kasimir Malevitch), onde assistimos progressivamente a uma mudança de entendimento, caminhando-se no sentido da radicalização e autonomia da superfície pictórica. Uma ruptura no sentido ascendente. Pois, o destino dessas pesquisas pictóricas era o esplendor metafísico, a pureza e intangibilidade atemporal, mesmo na singularidade da abstracção dos anos sessenta, observamos uma anulação furtiva de qualquer tipo de interpretabilidade figurativa ou simbólica. Ora, a pintura de Luís Figueiredo não comunga destes pressupostos modernos de abstracção, ela desafia a todo o momento o que existe, ela está demasiado atenta da realidade que mexe à sua volta, podemos dizer sim, que ela é reagente de uma arte Pop(ular). Pois, reactiva determinadas feições da Pop: a ideia de “desierquização” das imagens, nivelando a realidade imagética e referente (nenhuma distância existe entre um saco de cimento Secil e uma pintura iconográfica do século XIX); eron(t)iza o quotidiano, reclamando atenção e crítica a determinado objecto, acção ou imagem (a forma despreocupada com que um trolha abre um saco de cimento ou as contemporâneas intervenções na paisagem montanhosa portuguesa); tem aparência industrial, embora construída através de um aturado processo manual; tem uma atracção particular pela tradição (já não é o que era?), pelo fora de prazo mas sempre recuperável, pelo vulgar.

De forma concomitante a sensibilidade e gosto de Luís Figueiredo possuem qualquer coisa de “Camp”, nos moldes que Susan Sontag escreveu, no seu ensaio Notes on “Camp”, de 1964. Trata-se de uma espécie de encanto pelo genuinamente mau, pelo exageradamente artificial, pelo naturalmente bizarro, como define o Camp statment: “It´s good because it´s awful”, uma espécie de bom gosto do mau gosto.

Isto porque estamos perante alguém que se apraz e ironiza humoristicamente sobre certos valores, objectos, acontecimentos, acções e atitudes particularmente desclassificadas: desde organizar um jantar com amigos para celebrar o acontecimento “Festival Eurovisão com Eládio Clímaco” ao gosto particular por determinados (os mais desgostosos) universos musicais ditos Pimba, comprovam que estamos na presença de uma espécie de efeito “Camp”.

E sua arte não escapa a esta visão cómica do mundo, basta renovar o olhar pelo título da exposição que se apresenta – “O verdadeiro artista ajuda o mundo revelando a verdade mística (e é de borla!) ”.

Só ainda não tenho a certeza se devo continuar a olhar para o trabalho do Luís enquanto Pintura. Ele torna-se mais arrojado enquanto objecto (de superfícies pintadas) que tenta parecer aquilo que não é.

 

[Texto para folha de sala da Exposição de Luis Figueiredo “O verdadeiro artista ajuda o mundo revelando verdades místicas (outra vez de borla!) no Espaço Ilimitado]

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