Concepção
Samuel Silva (Artista, Professor e Investigador)
Participação
João Fiadeiro (Coreógrafo, Investigador e Professor)
Gabriela Vaz-Pinheiro (Artista, Professora, Investigadora)
Paulo Pires do Vale (Professor, Ensaísta e Curador)
Vão com o vento.
Sobre o leve, efémero ou invisível da arte no espaço público.
No período pós-atómico a possibilidade de uma aniquilação global colocou o entendimento da criação artística no plano da fragilidade. Este aspecto conduziu um grande número de artistas a desenvolverem as suas práticas segundo a dialéctica existencialista criação – destruição. De acordo com esta relação, a tónica dirigiu-se muito mais para o acto de fazer em detrimento da produção do objecto, quer por uma necessidade de produção dramática, quer pela vontade de rivalizar com o real. Assim, à crescente emergência de determinadas práticas que se associavam a circunstâncias temporais efémeras, vemos nascer uma nova consciência documental, onde os meios fotográfico e videográfico irão desempenhar um papel estratégico como possibilidade substitutiva do acontecimento. Uma espécie de utopia pós-moderna de eternização do presente, onde a imagem/registo encontra-se como último reduto para essa libertação do tempo.
Num outro sentido e no desfecho das duas primeiras décadas do Século XXI, assistimos a uma utilização generalizada dos meios digitais, à progressiva afirmação do espaço virtual e, por consequência, a uma conectividade espacial sem precedentes que nos obrigam hoje a olhar o debate contemporâneo sobre a relação entre arte e espaço público através de novos e importantes temas: a desmaterialização do espaço, a homogeneização cultural, a diluição da esfera íntima versus social, o crescimento invisível dos mecanismos de controlo, o prolongamento do espaço de intervenção artística para os domínios virtuais, entre outros.
Conscientes da complexidade do tema — Arte e Espaço Público — e da necessidade de uma discussão alargada a outras áreas do conhecimento, neste seminário iremos circunscrever a nossa atenção às representações artísticas que se destinam a desaparecer ou habitam os subúrbios da visibilidade, que desejam o transitório, que se esquivam ao peso da monumentalidade ou cuja existência depende da relação e envolvimento com o(s) outro(s).
O verso “Vão com o vento”, título do seminário, foi retirado do poema A rua é das crianças de Ruy Belo e serve-nos como imagem-síntese para pensar alguns modos de relação que as práticas artísticas actuais vêm activando no espaço público. A força deste delicado verso reside na sua ambiguidade semântica: por um lado, introduz-nos a ideia de movimento, impermanência ou volatilidade, por outro oferece-nos uma segunda leitura onde se resgata a palavra “vão” para o sentido de vazio, oco ou leve.
Agradeço pessoalmente à Gabriela Vaz-Pinheiro, ao Paulo Pires do Vale e ao João Fiadeiro por terem abraçado o desafio proposto e de nos trazerem algumas das interrogações fundamentais sobre o tema em debate, entre as quais: De que forma as intervenções temporárias de arte no espaço público afectam os contextos em que ocorrem? Como enquadrar a ideia de uma experiência estética perante o desaparecimento do objecto artístico? Como representar uma ausência? Como lidar com o vazio?
Deixemo-nos levar por este vento.
Samuel Silva
Samuel Silva é artista plástico, professor auxiliar na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto e investigador integrado no Instituto de Investigação em Arte Design e Sociedade (I2ADS). Formado em Artes Plásicas – Escultura, possui Mestrado em Práticas Artísticas Contemporâneas e Doutoramento em Educação Artística pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Os seus projectos têm explorado as relações entre a prática artística e o seu contexto social, nomeadamente os modos de relação entre públicos e exposições de arte contemporânea, as potencialidades dos processos educativos na esfera da criação plástica ou, em sentido inverso, a experimentação artística em ambientes de aprendizagem.
Desde 2008, tem colaborado com diversas instituições museulógicas e universitárias na programação e orientação de actividades educativas, projectos de consultoria e investigação, entre as instituições destacamos: Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Iceland Academy of the Arts, Louisiana Museum of Modern Art, Museu Internacional de Escultura Contemporânea de Santo Tirso, Centro de Arte de São João da Madeira, Fundação Bienal de Cerveira, Fundação Bissaya Barreto, Centro Cultural Vila Flor – Guimarães, entre outras.
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Do carácter libertador da impermanência
Gabriela Vaz-Pinheiro
“(N)um universo invariável não haveria liberdade.” Gary Snyder
O propósito desta intervenção é propor debater de que forma intervenções temporárias de arte no espaço público afectam os contextos em que ocorrem, bem como quais os modos de percepcionar os processos imateriais e críticos que aquelas desenvolvem. O que me interessa particularmente são as possibilidades de movimentação da obra e dos sujeitos (criadores e fruidores) por diferentes tipos de espaço, porque nesta movimentação se activam (e re-activam) diversas formas de significado, ideia a que tenho chamado transferibilidade (em oposição à ideia de especificidade que, julgo, interessa também rever).
Deste modo a desmaterialização do objecto artístico é apenas parcial, porque este também aspira à criação de oportunidades de contemplação, no processo dando origem a oportunidades críticas, igualmente válidas, tanto de envolvimento como de distanciação ou mesmo de indiferença. Isto é, estamos a falar de objectos artísticos que podem admitir formalizar-se em diferentes materialidades, admitindo também, eventualmente, o seu próprio desaparecimento. A questão que se coloca, e que gostaria de trazer a análise, é como enquadrar a ideia de uma ecologia da experiência estética perante tal evanescência?
Gabriela Vaz-Pinheiro é formada em Escultura pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, possui o Mestrado Europeu em Cenografia pelo Central St. Martins College e Utrecht School of the Arts, Mestrado em Teoria e Prática da Arte Pública e Design pelo Chelsea College of Art & Design, e Doutoramento por projecto pelo Chelsea College. Leccionou na Central St. Martins College of Art & Design, em Londres, entre 1998 e 2006. Tem exposto em contextos diversos, tendo recebido bolsas de estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, Ministério da Cultura, da Contemporary Art Society e do The London Institute, e recebeu, como artista, o apoio da Direcção Geral das Artes / Instituto das Artes. Possui contínuo trabalho editorial, com múltiplos livros publicados e textos em catálogos. Responsável pelo Programa de Arte e Arquitectura para Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura, tem realizado trabalho curatorial com várias colecções institucionais e também em contextos expositivos alternativos. Ensina, desde 2004, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde dirige o Mestrado em Arte e Design para o Espaço Público e é Membro Integrado do i2ads, Instituto de Investigação em Arte Design e Sociedade.
Holds a Degree in Sculpture from the Faculty of Fine Arts, University of Porto, the European Scenography Master of Arts from Central St Martin’s College and Utrecht School of the Arts; Master of Arts Theory and Practice of Public Art & Design at Chelsea College of Art & Design, and a PhD by project at Chelsea College”. Key Visiting Lecturer at Central St. Martins College of Art & Design, London, between 1998 and 2006. Has been exhibiting in different contexts and awarded scholarships from the Calouste Gulbenkian Foundation, Ministry of Culture, Contemporary Art Society and The London Institute, and received, as an artist, support from the Direcção Geral das Artes / Instituto das Artes. Her editorial work has also been continuous with several published books. Responsible for the Art and Architecture Programme for Guimarães 2012 European Capital of Culture, she has been producing curatorial work with several institutional colections and in diverse exhibition contexts. Lectures since 2004, at the Fine Arts Faculty, University of Porto, where she is Director of the Master of Art and Design for the Public Space where she is Integrated Member of i2ads, Research Institute in Art, Design and Society.
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A presença de uma ausência
João Fiadeiro
O exposto e o explícito – vulgo “real” – não me interessa para nada. Interessa-me aquilo que o “real” deixou para trás e empurrou para as margens. Interessa-me aquilo que está fora da vista (fora de campo) e que ficou por limpar. Se tivesse que sintetizar numa palavra o meu “modo de operação”, aquilo que me move e me define enquanto artista, diria que funciono e trabalho com o “resto”. O “resto” cria “vazio” e tudo o que (me) importa se (re-)constrói em cima (ou a partir) desse vazio. É essa ausência (a presença do vazio) que ambiciono capturar ao produzir uma obra.
Mas é claro, perante tamanha tarefa, imediatamente aparecem perguntas impossíveis de serem respondidas: Como dar a ver o que não está lá? Como coreografar o esquecimento? Como trabalhar com uma matéria tão volátil como a ausência? Como apresentar o “entre” das coisas? E, pior ainda, como representa-lo?
São estas as perguntas que me ocupam (e me perseguem) enquanto artista. Nesta conferência falarei e apresentarei exemplos de como tentei dar-lhes corpo.
João Fiadeiro (1965) pertence à geração de coreógrafos que emergiu no final da década de oitenta e que deu origem à Nova Dança Portuguesa. Grande parte da sua formação é feita entre Lisboa, Nova Iorque e Berlim, tendo sido bailarino na Companhia de Dança de Lisboa (86-88) e no Ballet Gulbenkian (89-90). Em 1990 fundou a Companhia RE.AL, responsável pela criação e difusão dos seus espectáculos, apresentados com regularidade um pouco por toda Europa, Estados Unidos, Canadá, Austrália e América do Sul. Acompanha com frequência, na qualidade de tutor, artistas emergentes e acolhe no âmbito da programação do Atelier Real, artistas e eventos transdisciplinares. O método de Composição em Tempo Real, desenhado inicialmente para apoiar a escrita coreográfica e dramatúrgica dos seus trabalhos, afirma-se atualmente enquanto ferramenta e plataforma teórico-prática para pensar a decisão, a representação e a colaboração. Essa investigação acontece no quadro da criação artística e em colaboração com as mais diversas disciplinas – economia, antropologia, ciências dos sistemas complexos – e tem-no levado a orientar workshops em programas de mestrado e doutoramento em universidades portuguesas e estrangeiras. Frequenta atualmente o doutoramento em Arte Contemporânea do Colégio das Artes de Coimbra.
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Teorema.
Obra de arte, Tempo breve e Espaço potencial.
Paulo Pires do Vale
Das artes plásticas esperou-se, durante séculos, a permanência – e mesmo a imortalidade do artista na obra: na pedra, no bronze, na parede ou na tela. O “duro desejo de durar” (Paul Eluard) revelar-se-ia aí. O século xx, no entanto, foi o da consagração do precário. A efemeridade deixa de ser um óbice e torna-se um valor. Como bem percebeu Paul Valéry, os modernos “contentam-se com pouco” – e também nós, depois deles. Esta conversão temporal implica uma educação do olhar do publico e levanta problemas ao mercado, aos coleccionadores, aos museus e conservadores, mas, para os artistas, a efemeridade foi/é, tantas vezes, modo de experimentação, de investigação e até de luta contra as instituições. Experiência de ruptura. Mas como lidar com a ausência do objecto / ou imagem permanente e estável? Nesta comunicação, retomando a teoria do espaço potencial de Donald Winnicott e o filme “Teorema” de Pier-Paolo Pasolini, enfrentarei essa pergunta – como lidar com o vazio? – propondo o abandono da relação de exterioridade com a obra de arte, para a compreender como extimidade: exterioridade íntima.
Paulo Pires do Vale é docente, ensaísta e curador; Presidente da AICA -Associação Internacional de Críticos de Arte – Portugal, desde 2015. É licenciado e Mestre em Filosofia pela FCSH – Universidade Nova de Lisboa. Dá aulas na Universidade Católica Portuguesa, na Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich e no Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa. É autor de Tudo é outra coisa. O desejo na Fenomenologia do Espírito de Hegel, (Colibri, 2006); de ensaios para livros, revistas e catálogos de exposições colectivas e individuais, em Portugal e no estrangeiro. Entre as exposições que comissariou, destacamos: Ana Vieira – Muros de Abrigo, CAM-F.C.Gulbenkian, 2011; Rui Chafes – Inferno, Galeria Esteves de Oliveira, 2011; Tarefas Infinitas. Quando a arte e o livro de ilimitam, Museu Calouste Gulbenkian, 2012; Tratado dos Olhos, Atelier-Museu Júlio Pomar, 2014; Visitação. O Arquivo: Memória e Promessa, Museu de São Roque, 2014; Pliure (Prologue), Fondation C. Gulbenkian, Paris, 2015; Pliure (Épilogue), Palais des Beaux-Arts, Paris, 2015; Lourdes Castro – Todos os Livros, Museu Calouste Gulbenkian, 2015; Não te faltará a distância, Igreja de São Cristovão-CML, 2016; Festival de l´incertitude, Fondation Gulbenkian, Paris; Ana Hatherly e o Barroco. Num Jardim Feito de Tinta. Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2017; DO TIRAR POLO NATURAL. inquérito ao retrato português. (com Filipa Oliveira e Anísio Franco), Museu Nacional de Arte Antiga, 2018; Tarefas Infinitas. SESC – São Paulo e Biblioteca Brasiliana Mindlin – Universidade de São Paulo, 2018 e Ana Hatherly y el Barroco. Museo de las Artes Universidad de Guadalajara (MUSA), México, 2018.
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