biography
biografia

A fotografia na imaginação das crianças – recensão crítica

[Texto publicado na revista online “Intro” dedicada à reflexão sobre Literatura, Teatro e Música, 2018]

Ao arrepio dos tempos, o livro impresso recorda-nos que ainda não lidamos bem com a imaterialidade. Somos do toque, da carne. A famigerada obsolescência do livro (como de outros formatos) e a ameaça do seu desaparecimento (e-books) fetichizou sobremaneira o nosso apreço por novas encadernações, impressões e paginações. Há inclusive um formato que conheceu, na última década, um renascimento imprevisto: o photobook. Proliferam em catadupa sejam em recuperações históricas, sejam em novas edições. Porém, no meio desta voragem, há uma ausência que qualquer visita aos escaparates da literatura infantil comprova: Onde está o photobook infantil? Esta é a pergunta que Mário Moura – crítico e professor de design na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto – lança no seu ensaio “O photobook infantil: um formato perdido?” incluído no recente livro “O Design que o Design não vê” com a chancela Orfeu Negro. A interrogação de Mário Moura torna-se ainda mais pungente se pensarmos que hoje mais do que nunca, numa sociedade totalmente movida pela imagem, não integramos a fotografia na imaginação infanto-juvenil. Porque preferimos, então, a ilustração e o desenho à fotografia? Mario Moura escalpeliza algumas hipóteses confrontando duas teses opostas. A de Natha Caputo que na sua publicação “Les images et l´illustration photographique (1956) defende uma capacidade maior dos adultos para apreciar a objectividade da imagem fotográfica nos livros, admitindo que a curiosidade infantil é muito mais adepta das cores vivas e dos contornos claros da ilustração do que das formas difusas a preto e branco da fotografia. Esta constatação leva Caputo à seguinte pergunta: não será a exatidão fiduciária da fotografia um obstáculo ao desenvolvimento da imaginação das crianças? Noutro plano Philippe Schuwer acredita que se prefere o livro infantil ilustrado porque permite uma maior vigilância sobre a educação da criança. A ilustração possui, segundo este autor, uma natureza mais filtrada permitindo um maior controlo na mediação da criança com o mundo. No entanto essa mediação funciona como uma espécie de mecanismo que disfarça a realidade servindo de refúgio à proliferação das imagens televisivas e cinematográficas e, pior de tudo, adiando para a vida adulta o desenvolvimento das capacidades críticas para lidar com a imagem fotográfica. Mário Moura acrescenta ainda, para este estranho desaparecimento, questões culturais, como a dificuldade de publicar imagens de crianças por razões de segurança, ou a exploração do trabalho infantil.
Todavia esta perplexidade (re)existe nos dias que correm e merece o nosso espanto: porque é que ainda insistimos na fotografia como coisa de adultos demitindo-a da literatura infantil e amputando as crianças na tenra idade de uma educação crítica para as imagens?

 

contact
contacto