[A primavera regressará, Isabel Dores, ART LAB 24, Espinho]
“(…) à sombra do que não era
ou
à luz do que será?”
Regina Guimarães
Espiral
O regresso é o início de uma espiral. Nunca tocamos o mesmo lugar de onde se partiu. Um pequeno nada mais ao lado. Ou acima. Ou abaixo. É, fatalmente, um lugar de não-coincidência. Porém, regressar é aceitar essa aliança desajustada com a origem.
Suspeito que hoje nos tenhamos detido por uma cultura sem a ideia de retorno.
Ao meio-dia, os pássaros.
Tudo parece tão frágil. Tudo parece emudecer e quebrar.
E cada vez é mais difícil amar.
À crise energética se somam tensões (geo)políticas, a erosão das democracias, a injustiça climática, os retrocessos nos direitos e liberdades fundamentais, o despotismo… tudo sinais de volatilidade e impermanência.
Haja alguém que construa um ninho e nos devolva a esperança de amar!
De continuar a sonhar na invenção de um lugar.
Os modos de vida estão contaminados por uma pressão que não dominamos; falta-nos tempo; os processos desgastam-nos, as perguntas atrasam-nos. Passamos pelas coisas sem as habitar, quer dizer, proteger e cuidar. Permanecer como um pássaro que regressa todos os anos para repetir delicadamente a mesma espiral, centenas de vezes, na construção do seu ninho.
Faz-nos falta esta lentidão cuidadora que nos pode proteger dos gestos com(im)pulsivos.
Precisamos de estender a pausa do meio-dia e reparar nos pássaros.
À beira do fim há sempre tanta coisa que começa:
Um ramo devolvido pelas ondas ordenadas.
Um talão de videira podada.
Um caroço de maçã.
Uma vela liquefeita.
e a luz?
Samuel Silva
Porto, 19 de Abril de 2024