biography
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Dicionário Íntimo Etimológico

[Texto integrado no livro de artista do Colectivo Fundação (Cristina Regadas, José Almeida Pereira e Miguel Flor) no contexto do Projecto de Edição “Ao Monte”, Porto, 2015]

 

aos defuntos (nossos sonhadores),

aos pósteros (nossos juízes).

 

01

 Acontecimento, s.m. facto que produz sensação; do lat. Contigesco, –ere; significando tocar, atingir; v. do lat. contigere; do lat. tingere, impregnar, tingir, produzir um tom.

 Arte, s.f. Do lat. arte-, talento, habilidade.

Artefacto, s.m. meio-coisa meio-arte.

Autor, s.m. Do lat. auctore, aquele que aumenta e transborda de si fazendo crescer os outros; auctor = augeo/augere (aumentar) [augar é crescer água na boca]; autor é aquele que aumenta que acrescenta aos seus antecessores. À primeira vista, esta aplicação é contraditória, pois estamos habituados a ver no autor um iniciador, alguém que é o princípio ou a origem de algo; um criador e não um mero successor ou continuador, ainda que acrescentando ou aumentando algo. Consequentemente, autoridade não é exercer o poder ou agir coercivamente sobre o outro, é possuir a capacidade de obter o reconhecimento do outro.

 Belo, s.m. Do lat. bellu-, guerra, combate, projéctil, bélico.

 Colaboratório, s.m. Do lat. laborare, lugar da lavra colectiva; entreajuda nas tarefas.

Composição, s.f. Do lat. compositione; posição com; juntar reunir diversas coisas para constituir uma só.

Contente, adj. Do lat. contentu-, contentor abastado; contentor cujo conteúdo satisfaz o seu limite.

Decisão, s. Do lat. decisone-, redução, corte, diminuição; do lat. scissione-, corte, divisão.

De cor, Do lat. cor, cordis, coração; saber com o coração.

Diversidade, s. Do lat. diversitate, divergência, diversão. Divertir, v. do lat. divertere, separar-se de, desviar a atenção de, recrear.

Esteriótipo, s.m. chapa de metal sólida e inteiriça gravada fotomecanicamente em relevo destinada à impressão de imagens e textos em prensa tipográfica. Estéreo — do grego stereós, á, ón; sólido, pode dizer-se tridimensional, em compostos da terminologia técnica e científica do século XIX em diante. Tipo — do grego túpos, marca feita a golpe, marca impressa, figura, símbolo etc., do lat. typus, figura, imagem, estátua; representação; objecto ou coisa que serve ou se usa para produzir outro igual ou semelhante; modelo.

Estratagema, s.m. Do lat. strategema, estratégia + esquema; ardil empregado na guerra para enganar o inimigo.

Forma, s.f. Do lat. forma; repartição e ordenação das partes da matéria nos lugares do espaço, a qual tem como consequência um determinado contorno, a saber, o de um bloco. A forma não só determina a ordenação da matéria como prescreve a qualidade e a escolha da matéria: impermeabilidade para o cântaro, dureza para o machado.

Ideia, s. f. Do gr. idéa, nada mais é que o conceito de uma perfeição que ainda não se encontra na experiência.

Infância, s.f. Do lat. infantia, -ae, dificuldade ou incapacidade de falar; mudez. Infante – aquele que não tem fala.

Mundo, adj. limpo e puro; antónimo de imundo, repugnante, sujo.

Negócio, s.m. não-ócio; aquilo que nega o ócio; aquilo que não permite ter tempo para escutar, ter tempo para pensar, ter tempo para ler, ter tempo para descansar, ter tempo improdutivo, ter tempo livre.

Ontemporâneo, adj. s.m. Do lat. ontemporaneus, -a,-um, que ou quem é do mesmo tempo ou da mesma época por estar desactualizado;

Originalidade, s.f. Do lat. origine-‚qualidade de original; habitar a origem; sinónimo de arcaico – próximo da arché, isto é da origem. Mas a origem não se situa somente num passado cronológico: é contemporânea do devir histórico e não pára de operar neste, como o embrião continua a agir nos tecidos do organismo maduro e a criança na vida psíquica do adulto.

Palestra, s. Do gr. palaístra, lugar onde se pratica a luta; do lat. palaestra, lugar para exercitação e adestramento do corpo, ginásio.

Reparar, v. tr. Do lat. reparare, parar duas vezes; ver com mais atenção; consertar.

José Tolentino de Mendonça ajuda-nos a descontruir a polissemia desta palavra: “Reparar introduz-nos por si só numa lentidão, porque aquilo a que alude não é um observar qualquer: é um ver parado (parado duas vezes), um revisar porventura mais minucioso do que o mero relance; é uma visão segunda, uma oportunidade concedida

não apenas ao objecto, nem sequer apenas ao olhar, mas à própria visibilidade, isso que Merleau-Ponty dizia ser o único enigma que a visão celebra. Mas reparar é mais do que isso: põe também em prática uma reparação, um processo de restauro, de resgate, de justiça. Como se a quantidade de meios olhares e sobrevoos que dedicamos às coisas fosse lesivo dessa ética que permanece em expectativa no encontro com cada olhar. Por isso, de certa forma, só quando reparamos começamos a ver.”

Sinceridade, s.f. Do lat. sine- cera = sem cera, misto de franqueza e verdade; palavra ‘sincera’ vem da junção de duas palavras do latim: siné cera. A versão mais comum para a origem desta palavra diz que, em Roma, os escultores desonestos, quando esculpiam uma estátua de mármore com pequenos defeitos usavam uma cera especial para ocultar e esconder essas imperfeições nas estátuas e de um modo que o comprador não percebesse. Com o tempo, as pessoas que compravam essas estátuas descobriam as imperfeições, ou seja, percebiam que se tratava de uma escultura “cum cera”. Os escultores honestos faziam questão de dizer que as suas estátuas eram “sine cera”, ou seja, perfeitas, sem defeitos escondidos, de uma pedra só.

(…)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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